quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O contexto histórico em que Jesus nasceu - V


   José Francisco de Moura
   Doutor em História

Vimos na sequencia de ontem que o período em que Herodes, o Grande, governou Judá como rei aliado dos romanos foi de relativa paz.

Mas quando Herodes morreu, imediatamente as primeiras revoltas dos tradicionalistas explodiram. Em 4 a.C, a revolta de Judas, o Zelote, foi sufocada com grande dificuldade.


Roma viu que teria dificuldades de encontrar um novo Herodes e resolveu dividir a região, entregando a Galileia para Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande, e nomeando um procurador da própria Roma para governar a Judéia: Pilatos.

Jesus nasce exatamente nesse contexto. E como Jesus vai se situar dentro dessa briga de 3 séculos entre judeus helenizantes aliados a gregos e romanos e judeus tradicionalistas ?

Jesus era da Galileia, região que tinha sido conquistada à força pelos hasmoneus mais de cem anos antes. Seus habitantes foram convertidos ao judaísmo na marra. Por conta disso, os judeus devotos desconfiavam da fidelidade de seus habitantes à Torá. Por isso eles diziam à época que nada de bom vinha da Galileia.

As influências helenizantes em Jesus são observadas nos próprios nomes de sua família. Dois de seus irmãos tinham nomes gregos e o nome Maria, de sua mãe, era uma variação do nome hebreu Mírian. O próprio nome Jesus era uma variação grega de Josué.

Tem mais. Jesus tinha sido aluno de um sábio judeu da diáspora, Hilel. Ele tinha profundo desprezo pela Torá. Dizia que todo ensinamento religioso resumia-se a não fazer ao seu inimigo o que não gostaríamos de fazer a nós mesmos. Todo o resto seria invenção dos homens.

Jesus conheceu várias comunidades essênias, mas retirou delas aquilo que era de caráter mais humano e universal, dispensando seu belicismo. Conheceu os batistas do Rio Jordão e encantou-se com João, que diferia dos demais pregadores do deserto por ser um universalista. A João, Jesus faz seu maior elogio: nenhum homem nascido de mulher teria sido melhor que ele.

Alguns zelotes se encantaram com a possibilidade de Jesus ser o Messias, mas logo se decepcionaram ao saber que ele não se propunha ser o líder militar que esperavam. A traição de Judas, que era zelote, tem que ser entendida dentro desta perspectiva.

Bom, se Jesus não agradava os essênios e os zelotes, a quem ele agradaria em termos de grupos ? Aos fariseus e saduceus ? Não. Jesus enfrentou a ambos por diversas vezes. Apenas os fariseus mais fanaticamente helenizantes gostaram dele, como Nicodemos (nome grego) e José de Arimatéia, um comerciante da diáspora. Jesus chamava saduceus e fariseus de hipócritas e cambada de víboras. Tinha desprezo pelo Templo, embora tivesse pregado ali. Mas Isaías e Jeremias também haviam pregado no templo e o desprezaram. Jesus ameaçou derrubar o Templo e espancou os vendedores de pombas de sua porta. Criticou os sacrifícios e os dízimos. Após sua morte, seu irmão Tiago e o seguidor Estevão continuaram afrontando o Templo. Estevão disse que Deus não habitava construções humanas e chamou os sacerdotes de “incircuncisos de coração e ouvidos”, uma agressão religiosa fortíssima. Terminou apedrejado.

Jesus desobedeceu dezenas de prescrições da Torá. Desprezou as regras alimentares e de higiene,  desobedeceu flagrantemente o Livro de Decretos  cessando um apedrejamento e fez milagres no sábado. Não sabia nem ao menos os 10 Mandamentos. No Novo Testamento, ele aparece citando apenas sete deles e ainda erra um. Jesus tinha uma tolerância e uma abertura com as mulheres que era absolutamente estranha ao judaísmo ortodoxo e só comum na época a quem comungava os valores gregos e romanos. Como diz o historiador judeu Paul Johnson, “quanto mais se estuda Jesus, mais chega-se a conclusão que ele tinha profundo desprezo pelo judaísmo”

Por isso tudo, não é necessário dizer que a mensagem de Jesus era universalista e suas atitudes também. A parábola do bom samaritano, a ordem para que os discípulos pregassem suas palavras pelo mundo todo e o episódio da conversão de um centurião romano deixam  evidente que o deus que Jesus vem oferecer não era o deus da guerra judeu, o mal encarado e xenófobo Jeová, embora Jesus não tenha dito o nome de outro deus.

Jesus enfrentava os fariseus aliados dos romanos, mas era condescendente com o poderio de Roma, pois ele sabia que a alternativa ao domínio romano era entregar Israel nas mãos dos fanáticos isolacionistas zelotes, dos saduceus e dos fariseus ortodoxos. A alternativa ao universalismo romano era a barbárie da ortodoxia e da Lei. Inteligente, Jesus sabia que para sua mensagem chegar ao mundo o único caminho era através da língua grega, lida e falada em todo canto, inclusive em Roma. E também que alguns dos sistemas filosóficos gregos tinham correspondência significativa com sua mensagem, sobretudo o estoicismo.

Amanhã, veremos no último capítulo como os posicionamentos de Jesus levaram a sua morte.

Fonte: http://josefranciscoartigos.blogspot.com.br/

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