quarta-feira, 25 de abril de 2012

Van Gogh e Seu Augusto

            Pode parecer loucura, mas estabeleci uma relação entre Van Gogh, pintor holandês, e seu Augusto, barbeiro que viveu em Cardoso Moreira. Conheci os dois: Van Gogh, nos livros, e seu Augusto, pelos cabelos que arrancou de minha cabeça com aquela máquina velha e pelas suas manobras numa velha bicicleta, sempre assobiando.
Van Gogh viveu 37 anos, seu Augusto mais do dobro de sua idade. Aquele conheceu o chamado primeiro mundo: Paris, Holanda (onde nasceu) e outros países vizinhos. Este, apenas o que nem mundo é considerado: Baú, Valão do Cedro, Três Cacetes, Morro Grande. Lugares tipo daquele onde o vento faz a curva. O pintor era filho de pastor calvinista e o barbeiro conhecia alguns pastores por se orientar com eles. Van Gogh manteve contatos com pessoas da mais alta expressão como o doutor Gauchet, médico que lhe deu abrigo como num asilo. Seu Augusto conhecia gente humilde, trabalhadores da roça, alguns doentes, que se aproveitavam de seu serviço em domicílio para fazer a cabeça de todos os filhos, preferencialmente com máquina zero até o coco para demorar a crescer e, assim, economizar. Van Gogh, certa vez, num ato de auto-flagelamento, cortou a orelha e enviou a um amigo pintor que brigara com ele. Seu Augusto teve uma das pernas amputadas em função de problemas de saúde com a senilidade. Van Gogh morreu, suicidando-se. Seu Augusto, de velhice.
            Com o crescimento e experimentando certa independência, deixei de cortar cabelo com seu Augusto. Coisas de rapazinho, queria corte mais moderno. Mas continuamos nos encontrando, ora na igreja, no comércio onde trabalhava e aqui e noutro lugar. Seu Augusto sempre assobiando, sorrindo, beijando as crianças e dando um cascudinho de brincadeira. Fui para o Seminário e, quando estava no meio do curso, fiquei sabendo que seu Augusto estava bem doente. Numa de minhas idas à terra natal, resolvi visitá-lo. Mas que dizer para um velho que me viu criança e estava com uma das pernas amputadas, com possibilidades de amputar a outra, e não podia mais manobrar sua bicicleta velha? Fui preocupado à sua humilde casa e, quando me aproximei do portão, ouvi uma voz conhecida. Prestei atenção. Era do velho Augusto. Fui chegando (no interior, não tem essa de campainha e nem portão com trancas) e, ao perceber minha presença, o simpático barbeiro dá uma risada, manda-me entrar e começa a cantar com mais vigor. Lá, estava o seu Augusto com a mesma alegria de outrora. Minha preocupação dissipou-se e aprendi uma das mais fortes lições de minha vida. Eu que fora ali para consolar, fui consolado.
            Que fazia diferença na vida de Van Gogh e Seu Augusto? É a mesma vista na vida de pessoas que enfrentam grandes problemas com reações extremamente diferentes. Por que Van Gogh quis terminar a vida aos 37 anos e seu Augusto, com seus 80, ainda cantava? Van Gogh era filho de pastor, mas, provavelmente, não conhecia o pastor dos pastores. Seu Augusto tinha experiência com Ele. Van Gogh conhecia, provavelmente, o salmo do bom pastor, mas seu Augusto conhecia o bom pastor do salmo.
Muitos vivem neste mundo sem nenhuma preocupação de estabelecer um relacionamento estreito com o Senhor. Na hora do temporal, a solução que encontram é cortar a orelha, dar cabo à vida. Quem tem experiência com Cristo é capaz de cantar ainda que tenha as pernas cortadas. Isso não é gostar de sofrer. É saber sofrer. É saber que, na hora do sofrimento, Deus está amparando. Por isso, o profeta Habacuque encerrou seu livro de maneira diferente como iniciou, deixando a reclamação e assumindo a adoração: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto nas vides; ainda que falhe o produto da oliveira, e os campos não produzam mantimento; ainda que o rebanho seja exterminado da malhada e nos currais não haja gado. Todavia, eu me alegrarei no Senhor, exultarei no Deus da minha salvação”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário